Monday, March 17, 2008

31 de outubro - Hoje é dia da Reforma!

Hoje é dia da Reforma!
Leia também: post do Tempora

Errais, não conhecendo as Escrituras, nem o poder de Deus.
Jesus Cristo em Mt 22:29
Examinai as Escrituras, porque vós cuidais ter nelas
a vida eterna, e são elas que de mim testificam.
Jesus Cristo em Jo 5:39
O muro da cidade tinha doze fundamentos, e neles estavam
os nomes dos doze apóstolos do Cordeiro.
Apóstolo João em Ap 21:14

Quando pensamos nas inúmeras igrejas evangélicas que continuam se formando das mínimas dissidências através das últimas décadas; quando verificamos a falta de consistência bíblica e de preparo intelectual e/ou espiritual de muitos líderes dessas igrejas; quando lembramos as denominações e os pastores que aderem ao aborto e à causa gay... nada disso nos deixa propícios a comemorar o Dia da Reforma.

Porém, os primeiros líderes da igreja primitiva já tinham seus problemas, e eles não eram leves. Gente que mentia ao Espírito Santo, que pervertia a fé dos outros ao anunciar que a ressurreição já havia ocorrido, que se fingia de pregador fiel para tirar dinheiro do povo, que forçava a barra para que os procedimentos judaicos continuassem a ser praticados... e nenhum desses desvios era suficiente para apagar a grande alegria que os cristãos sentiam em ser discípulos de Cristo, depositários de Sua maravilhosa Palavra (que limpa a alma) e do penhor do Espírito (que nos permitirá estar com Deus naquele dia).

Olhamos para trás e a nossa volta, e somos capazes de reconhecer os inúmeros erros da igreja cristã. No entanto, também podemos atestar os imensos cuidados de Deus para que a fé continuasse viva e atuante em todos esses séculos. O princípio da Sola Scriptura, ao contrário do que católicos e ortodoxos afirmam, não é um espécie de idolatria ao Livro; é, ao contrário, mostra do infinito amor de Deus para conosco, não deixando que ficássemos vulneráveis às inconstâncias dos homens através dos tempos. O princípio da Sola Scriptura é a razão de ser da própria Bíblia: balizador de nossa fé, porto seguro para onde nos voltamos quando as falas sobre Deus ao redor nos parecem desconexas demais.

Li hoje no Orkut: "Não existe a noção de Sola Scriptura nos quinze primeiros séculos do cristianismo. O Cristianismo nunca foi uma religião do livro, pois a Palavra de Deus é Cristo encarnado, ressucitado e vivo entre nós. Tinta sobre papel, nesse caso, é secundário. E pode ser letra que mata."

O problema com essas afirmações é que elas não podem ser enunciadas sem que seja introduzido um grande princípio relativista na relação do cristão com a Bíblia. Elas contradizem as palavras e o comportamento do próprio Jesus. Vejamos.

No Novo Testamento, Cristo menciona aqueles que viriam a crer Nele não por um encontro direto com o Deus encarnado, como tinha acontecido com os discípulos, mas sim por Suas palavras. Ora, as palavras de Jesus não podem mais nos ser passadas boca-a-boca - suas testemunhas diretas não mais circulam entre nós - , mas sim pelo Livro (e, ainda indiretamente, por quem lesse o Livro e reproduzisse oralmente o que lá achasse escrito). Nesse sentido, quando as palavras de Jesus não estavam escritas, eram autoridade a partir da boca de Seus discípulos sinceros. Mas, como estão escritas, são autoridade a partir do Livro. Isso parece óbvio, mas não é. O registro detalhado da fé e sua organização em forma de um Livro espantosamente coerente é a prova de que Deus providenciou meios para que o conteúdo do que cremos não fosse facilmente alterado através dos séculos.

Além disso, há outro fator muito importante. Conforme lemos no Novo Testamento, quando Jesus começou a exercer Seu ministério, como é que Ele demonstrou que a religião judaica daquele tempo - que deveria testificar Dele como o Messias - havia se desviado grandemente de seus propósitos originais? Pelo Livro, ainda incompleto, da época: o que chamamos hoje Antigo Testamento. Como é que Ele corrigia os desacertos de seus contemporâneos acerca Daquele que havia de vir? Com a interpretação adequada do Livro.

Quando interpelado por autoridades judaicas, Jesus sempre respondia com palavras do Livro, deixando claro que o erro de seus questionadores era desconhecer as Escrituras. No encontro com a mulher samaritana, Jesus corrige sua cosmovisão dizendo-lhe algo que só o Livro pode atestar: a salvação que Ele representava vem dos judeus. E é com a autoridade desse Livro que Jesus vai à sinagoga, abre-o em Isaías e começa a ler sobre o Messias que viria, anunciando em seguida: "Sou eu este de quem o Livro fala." Se o próprio Jesus tratou o Livro como autoridade, por que deixaríamos de agir como Ele?

Há inúmeros exemplos em todo o Novo Testamento. Depois que Jesus ressuscita, os discípulos não O reconhecem de imediato. Ele então começa a narrar longamente os fatos do Livro - novamente, do Livro - para mostrar como era necessário que o Messias padecesse. Jesus conhecia o Livro e sabia que a reação correta de Seus discípulos a Sua presença depois de ressurreto dependia da correta interpretação das palavras ali registradas. Ele tinha o Livro em proeminência e não admitia que os líderes seus contemporâneos falseassem o que estava nas Escrituras, como demonstrou, por exemplo, no Sermão do Monte. Diante disso, não podemos agir diferente.

Os discípulos de Jesus compreenderam isto. Em Atos, os judeus de Beréia são louvados porque confirmaram as palavras pregadas pelos apóstolos da seguinte maneira: abriam o Livro e verificavam se estava correto o que ouviam. Não há dúvida de que seu louvor nos convida a fazer o mesmo, hoje, mais de dois mil anos depois da vinda do Senhor. Se fosse diferente, os judeus de Beréia não seriam elogiados, mas sim repreendidos, por submeterem as palavras dos próprios discípulos de Cristo ao Antigo Testamento - palavras que se verificaram verdadeiras e coerentes com os primeiros escritos, e que, por esse mesmo exame, foram acrescentadas ao Livro, ganhando o mesmo status que as anteriores. Se o AT era utilizado por Jesus para atestar a veracidade de Suas afirmações, não podemos fugir do fato de que o NT é repleto de recomendações para que os cristãos se ativessem aos conteúdos enunciados pelos apóstolos, colocando-os em evidente proeminência a qualquer outro ensino posterior. Assim, por que o procedimento seria outro, se hoje, no mundo ocidental, temos o privilégio de possuir em mãos o mesmo Livro, acrescido das palavras de Jesus e dos apóstolos comissionados diretamente por Ele para pregar Sua palavra? Por que Jesus exigiria de nós algo diverso do exame que Ele próprio realizou nas Escrituras, as quais conhecia e amava?

É verdade que o protestantismo causou muitas turbulências na cristandade. Guerras e ódios marcaram e ainda marcam a rivalidade que começou com Lutero, e a divisão entre os cristãos cobra imensos tributos. Além disso, católicos e ortodoxos, talvez beneficiados por sua maior antiguidade histórica, continuam a ser especialmente brilhantes na filosofia e na literatura. Porém, o exame da Bíblia para confirmar fatos verdadeiramente cristãos - ou seja, o tratamento das Escrituras como autoridade para os conteúdos da fé - é algo que Cristo praticou e que serviu de exemplo para seus discípulos. A preocupação com a pureza da fé e com a permanência naquilo que Jesus e os discípulos ensinaram é parte constitutiva desse Livro, que começa com a criação do mundo e termina com o fim, algo que marca sua inviolabilidade depois da vinda do Messias. Palavras de homens não podem contradizer o registro bíblico - nem as posteriores à Septuaginta, nem as posteriores aos escritos dos apóstolos - , sob o risco de ir além das palavras de Jesus e daqueles comissionados diretamente por Deus para a autoria inspirada do Livro. Não podemos contradizer esse princípio sem relativizar a Bíblia. E muitos cristãos só mantêm esse cuidado, hoje, por causa da Reforma. Por isso, principalmente por isso, posso louvar a Deus pela forma com que nos conduziu até aqui e agradecer a Ele, de coração, pelo dia 31 de outubro. Aleluia!

No comments: