Wednesday, April 14, 2010

Entrevistas históricas: General Newton Cruz e General Leônidas Pires


Os bastidores do regime militar : general Newton Cruz descreve o dia em que saiu de Brasília para o Rio para desmontar um novo atentado que militares estavam tramando depois do Riocentro

Postado por Geneton Moraes Neto em 10 de abril de 2010 às 22:16
Aos fatos : o ex-chefe da agência central do SNI e ex-comandante militar do Planalto, general Newton Cruz, nos deu detalhes de uma operação secreta que ele protagonizou para evitar que militares radicais cometessem, no Rio de Janeiro, um novo atentado, depois do que tinha ocorrido no Riocentro.
Um detalhe: o próprio Newton Cruz ficou nacionalmente conhecido como “linha-dura”. Mas, neste caso, ele atuou para  “apagar um incêndio”.  Os autores do frustrado atentado cometido no Riocentro – militares ligados ao DOI do I Exército, no Rio de Janeiro -  queriam dar uma nova demonstração de força contra a abertura política ( A entrevista completa do general foi exibida no DOSSIÊ GLOBONEWS no sábado. Vai ser reprisada neste domingo, às 17:05; na segunda, às 15:05 e na terça, às 11:05).
 O general se deslocou de Brasília para o Rio, numa missão que, segundo ele, extrapolava suas atribuições, já que cabia a ele chefiar a agência central do SNI – não participar de um “empreitada” como aquela. O diálogo com dois dos homens que tramavam um novo atentado ocorreu num quarto de hotel do Leme, no Rio de Janeiro. O então chefe da agência central do SNI diz que fez uma advertência aos dois : se executassem o que estavam tramando, seriam denunciados.  
Um bastidor : quando procurei o ex-chefe da agência central do SNI para uma entrevista, duas semanas antes do natal, a primeira resposta foi “não”. Cordial ao telefone, disse que já não queria se envolver em” confusão”. Aos 85 anos, viúvo, estava na casa da filha, na zona oeste do Rio. Enfrentara problemas de saúde. A audição já não era tão boa. Agradeceu o “interesse” mas, em outras palavras, pediu que eu batesse em outra porta. Não bati. Tentei de novo uma, duas, três vezes.  Disse que ele tinha sido citado em outras entrevistas que eu tinha feito sobre o fim do regime militar. A última investida deu resultado. O general me disse :”Você é insistente !”. Respondi que sou, claro. Queria ouvi-lo. O tom firme da voz do general indicava que continuava “enérgico”. A entrevista ficou marcado para as onze da manhã de uma quarta-feira.
Houve momentos tensos. Com o calor na sala e o pequeno refletor usado pelo cinegrafista Evilásio Carneiro foram suficientes para que o general ficasse banhado de suor. A camisa ficou visivelmente molhada. A assistente de produção Rosamaria Mattos, estagiária da Globonews, fez as vezes de “maquiadora”  : precisou enxugar a testa do general “n” vezes com lenços de papel.  Houve momentos tensos, em que o general levantou a voz para marcar posições. Devolveu perguntas ao repórter. Recorreu à ironia quando achou necessário. A estagiária deve ter ficado compreensivelmente “assustada” com a entrevista. De qualquer maneira, eu estava apenas – e exclusivamente –  para perguntar, não para fazer discursos, emitir julgamentos ou me exibir diante da câmera sob as vistas  do general – que entrou para o “imaginário coletivo” como exemplo acabado do militar linha-dura. É o que tentei fazer.
Terminada a entrevista, a equipe desligou o equipamento. O cinegrafista, os dois técnicos e a assistente de produção desceram na frente. O general  me acompanhou até a porta do elevador. Aquele silêncio constrangido que sempre acomete os que ficam diante da porta de um elevador foi quebrado pelo general que, para minha surpresa, depois de ter se exaltado tantas vezes durante a entrevista, começou a cantar uma velha canção : “Falam de Mim”  ( a letra diz “falam de mim/mas quem fala não tem razão/ um rapaz como eu/ não merece ingratidão”). Quando cheguei à TV, recorri ao São Google, para descobrir de quem era a música. Era de um homônimo de Noel Rosa.
Vou confessar : meu primeiro pensamento foi  “ah, meu Deus do céu, se a câmera estivesse ligada aqui eu ia fazer uma imagem antológica : Newton Cruz, o general linha-dura, cantando !”.  A essa altura, o equipamento já estava desligado, no carro. Trocamos umas palavras. O general ficara satisfeito com a entrevista. Eu disse a ele o que sinceramente penso : “Como personagem jornalístico, o senhor me interessa tanto quanto, por exemplo, Luís Carlos Prestes, a quem, aliás, entrevistei várias vezes. Jornalista existe para fazer pergunta. Não faço  ”patrulhagem ideológica” nem no senhor nem em Prestes. Minha opinião pessoal não interessa. Quero sair daqui com uma notícia”.  O general me disse que nunca tinha falado tão claramente sobre a operação que fez para desmontar um novo atentado que militares tramavam no Rio. Em resumo, ele me deu uma notícia  : militares estavam tramando,sim, um novo atentado no governo Figueiredo.
Um dia depois, telefonei para checar dados. Perguntei se ele sabia o título da música que cantou para mim na porta do elevador, no fim da visita. Não, o general não sabia. Mas deve ter notado que, no fundo, o que eu queria era gravar a performance do general Newton Cruz cantando. Perguntou, sem meias palavras, se eu queria gravar ali, naquela hora, por telefone. É claro que sim. A gravação foi feita. O general “linha-dura” cantou de novo! A gravação da performance musical foi  usada no final da entrevista levada ao ar pela Globonews  :  um diálogo marcado por momentos ríspidos terminou, quem diria, com Newton Cruz cantando. 
Mas o que terminou com a música tinha começado assim:

Toca o telefone na agência central do SNI, em Brasília : um agente – que estava no DOI-CODI do I Exército, no Rio de Janeiro, avisa que um grupo estava indo para o Riocentro com uma bomba

Horas antes do atentado no Riocentro, o senhor recebeu um telefonema de um militar avisando que uma bomba iria explodir lá.Por que é que o senhor não se dirigiu imediatamente para o Riocentro?
 Newton Cruz: “Não,não,não,não. Meu Deus do céu. Primeiro: o Riocentro é no Rio. Eu estava em Brasília. “Imediatamente” não podia ser, nem que eu viesse de avião. Não é nada disso. Eu estava no meu gabinete de trabalho, na Agência Central do SNI. Ficava até tarde. Trabalhava feito um desesperado. Trabalhava de noite. Não tirava férias. Não fazia nada. Cheio de papel. Sempre fui muito centralizador. Sempre fui responsável, eu,pessoalmente – e também garantir  que cumpram aquilo que digo,como mando fazer. Eu estava no meu gabinete, já à noite, quando um oficial meu – da Agência Central do SNI – me disse: “Chefe, recebi um telefonema lá do Rio de Janeiro, de fulano de tal, analista de nossa agência, que disse o seguinte:  tinha ido ao DOI do I Exército para fazer contato,saber se tinha alguma novidade e se informar…”. Somos órgão de informação. Era um homem da nossa seção de operações. “Quando chegou lá, ele se assustou, porque viu um grupo reunido cuja ideia era partir para o Riocentro. E ele ficou assustado.Falou: ”Como é isso?”.  O oficial da agência do Rio de Janeiro tentou influenciar: ”Vocês não podem fazer isso, ir pra lá!”. E eles: “Mas nós vamos! ”.  A ideia desse grupo não era matar ninguém: era moda aquele negócio de bomba em banca de jornal. Era pegar uma bomba – uma bombazinha – e jogar lá fora, nas imediações. Era um ato de presença: “Nós estamos aqui.Vocês estão aí, no evento de comemoração do primeiro de maio.Nós estamos aqui!”.  Não era para matar ninguém. Era um grupinho. Não era nada comandado por ninguém de cima. Eram eles mesmos, por conta deles.  
Quando este oficial soube, se assustou: “Não podem fazer isso lá”. Faz o seguinte: “Vai, mas joga a bomba mais afastada”. Ele avisou isso.  E saiu com o grupo: foi junto, para  assegurar a bomba fora, para não incomodar ninguém, porque eles estavam com gosto de sangue na boca. Sangue,não.  Sangue nada: era jogar bomba. Eu falei: “Mas não há meio de parar?”. E ele: “Não,porque eles já saíram”. Quando eu soube, este grupo já tinha saído. E a bomba foi lançada meio afastada, na proximidade da casa de força. Não adiantava nada, porque se apagasse, o gerador daria eletricidade. Não ia incomodar ninguém. Ele agiu com a cabeça, para evitar. Muito bem. Eu não podia fazer mais nada. Paciência. Fui  para casa. Quando cheguei em casa – e liguei a televisão – é que soube da bomba que tinha explodido. O que é que foi ? Os dois que foram lá – o capitão e o sargento – por conta própria, fora daquele grupo –  para o estacionamento.E a bomba explodiu no colo do sargento. É o que houve”.
 Quando soube que haveria um atentado no Rio centro, o senhor não deveria ter comunicado imediatamente até ao presidente da República ?
 Newton Cruz: “Não,não,não…”
 O senhor não considerou grave ?
Newton Cruz: “Falei com quem ? Com o meu chefe – o chefe do SNI,Octávio Medeiros – que tinha gabinete junto do Figueiredo. Eu – como chefe da agência central – não tinha nenhum contato direto com Figueiredo…”
 Mas num situação dessas….
 Newton Cruz: “Não tinha importância nenhuma…”
 Poderia ter causado uma tragédia….
 Newton Cruz: “Ele foi procurado por Medeiros – que disse a história a ele. Figueiredo soube o que aconteceu”.
 Naquela noite ?
 Newton Cruz: “Não sei se na noite. Porque a noite era de madrugada. Ou no dia seguinte, não sei. Para mim, tinha acabado. Transmiti para o meu chefe e acabou”
 O senhor transmitiu para o general Octávio Medeiros antes ou depois de ver a notícia na TV?
Newton Cruz: “Depois da TV. Eu morava do lado de Medeiros. Nossa casa era junto uma da outra,na Península dos Ministros. Não podia fazer nada! Não podia fazer nada naquela hora ! Nada! Não tinha o que fazer ! Não tinha o que fazer. Não podia fazer nada! Não havia o que fazer”
O senhor se arrepende de não ter tentado fazer alguma coisa ?
 Newton Cruz(levantando a voz): “Tentar o quê ?”
 Telefonar para o general Medeiros para mobilizar…
 Newton Cruz: “Medeiros ia fazer o quê ?”
Mobilizar alguém para interceptar…
 Newton Cruz: “Interceptar quem ?”
 Os militares que estavam indo para o Riocentro….
 Newton Cruz: “Eles não sabiam de militar que estava indo para o Riocentro. Não sabia nem para onde eles foram. Não sabiam nem onde ia ser jogada a tal bomba. Era nas proximidades. Não sabiam onde era. Que história é essa ? É impossível. Nesta ocasião, nem celular havia….
E mais o seguinte: tempos depois, recebi a informação de que havia um grupo,no DOI, tentando fazer uma coisa parecida.Não era problema meu. Eu tinha só de informar.
O grupo ia fazer algo parecido onde ?
Newton Cruz: “Em algum lugar. Algo da mesma natureza”
 Uma bomba num local público ?
 Newton Cruz: “É….Não sei onde”.
 O senhor deve saber. Não quer dizer ?
 Newton Cruz: “Estou dizendo que não sei. Estou contando. Não conto pela metade. Conto tudo que sei. Quando conto, conto o que sei. Quando não quero contar, não falo. Então, falei: “Não é possível! Isso não pode!”.
Pela primeira vez, saí de minha função dentro do SNI:  “Vou pessoalmente acabar com isso!”.Pedi à agência do Rio um encontro com dois elementos do DOI-CODI. Fui ao Rio de Janeiro e me encontrei num hotel “.
 Onde foi ?
 Newton Cruz: “O hotel ficava no Leme. Eu me encontrei com um tenente da Polícia Militar e um sargento (do Exército). Falei: ”Aconteceu isso assim assim em relação ao Riocentro. Eu tive informações de que vocês estão pensando em coisa parecida. Vou dizer uma coisa a vocês:  vão lá e digam aos seus companheiros que vocês estiveram comigo e se acontecer qualquer coisa parecida com isso eu vou denunciar!”  (levanta a voz). Digam a eles!”.  Nâo houve mais nada. Acabou com bomba. Isso ninguém sabe”.

O general guardou silêncio sobre a reunião ocorrida num quarto de hotel no Leme, no Rio de Janeiro, com dois militares que estavam tramando o novo ataque 

 O senhor chegou a  produzir algum documento escrito sobre esta ameaça de um novo atentado no Rio ?
Newton Cruz: “Não.Nunca falei sobre isso”
Chegou a produzir algum documento internamente no SNI ?
Newton Cruz: “Não.Porque, se eu fizesse, estaria sendo falso em relação aos dois que falaram comigo”.
 Por que é que só agora o senhor decidiu fazer esta revelação ?
 Newton Cruz: “Já falei na intimidade”.
 Não: publicamente….
 Newton Cruz: “Porque saiu agora. Não sei por quê. Ah, por quê ? Porque agora falei, de repente…”.
 Quanto tempo depois do Riocentro haveria este outro atentado ?
 Newton Cruz: “Eu estava na agência central do SNI até 1983. Se o atentado foi em 1981, foi logo depois…”
 Como é que esta informação de que haveria um novo RioCentro chegou ao senhor ?
 Newton Cruz: “Não vou dizer a você! Pronto. Porque acho que, profissionalmente, não posso dizer”
 Mas é uma revelação grave que o senhor faz:  a de que poderia haver um outro Riocentro no governo Figueiredo.
 Newton Cruz: “Eu resolvi o fato. Falei do fato. Não posso falar sobre informante. Você, jornalista, fala o que um informante diz a você pedindo sigilo ?”
 Não.
 Newton Cruz: “Permita-me ser igual a você!”.
O senhor comunicou este fato ao presidente Figueiredo ?
Newton Cruz: “Com Medeiros (chefe do SNI), falei de minha ida ao Rio. Eu ia ao Rio e não vou dizer a meu chefe ? Eu disse!”.
 Que cuidados o senhor tomou na hora de ter esta conversa no hotel ?
 Newton Cruz: “Nenhum. Entrei no quarto, já preparado,sentei lá. Pedi um uísque para mim e um uísque para os informantes e conversei com eles. Pronto”.
 Que reação esses dois oficiais tiveram quando o senhor disse que eles não poderiam cometer este ato ?
 Newton Cruz :” Você pode tirar sua conclusão porque depois nunca mais houve bomba em lugar nenhum”.
Mas eles contraargumentaram ?
Newton Cruz: “Não. Ficaram quietinhos. Fiz cara feia para eles, certamente. Ficaram com medo de minha cara…”.
 Que sensação o senhor tem  por ter evitado este outro atentado ? É de alívio ?
 Newton Cruz: “Fiquei feliz da vida, claro. Achei que tinha um propósito – e o propósito foi cumprido. Fiquei feliz da vida. A pergunta acho que não tem sentido ( irônico): ah, fiquei triste….Queria que acontecesse…Ora…”

CONFIRMADO : EXÉRCITO DEU DINHEIRO A PRESO POLÍTICO EM TROCA DE INFORMAÇÃO ESTRATÉGICA SOBRE PARTIDO COMUNISTA DO BRASIL

Postado por Geneton Moraes Neto em 03 de abril de 2010 às 20:53

                                                           O Exército pagou, em dinheiro, a um dirigente do Partido Comunista do Brasil,o PC Do B, em troca de informações sobre onde se realizaria uma reunião em que os dirigentes discutiriam a Guerrilha do Araguaia. O PC do B atuava na clandestinidade durante o regime militar.  
                                                 O que era até hoje tido como uma suposição foi confirmado pelo general que autorizou pessoalmente o pagamento.  “A ideia foi minha” – disse o general Leônidas Pires Gonçalves – que chefiou o DOI-CODI do I Exército no Rio de Janeiro entre março de 1974 e janeiro de 1977.  A declaração do general foi feita em entrevista a este repórter, levada ao ar pela Globonews , no programa DOSSIÊ GLOBONEWS.
                                                  (Aqui, o vídeo completo : http://globonews.globo.com/Jornalismo/GN/0,,MUL1556374-17665-337,00.html )
                                                 Repassadas ao II Exército, em São Paulo, as informações obtidas pelo I Exército, no Rio, resultaram na invasão da casa  onde estava reunido o Comitê Central do PC do B, na rua Pio XI, 767, no bairro da Lapa, em São Paulo, no dia 16 de dezembro de 1976, uma quinta-feira. Três dirigentes morreram na operação – que ficou conhecida como “Massacre da Lapa” :  Pedro Pomar, Ângelo Arroyo e João Baptista Franco Drummond.
                                              Durante a entrevista, em que levantou a voz e se exaltou algumas vezes, o  general Leônidas Pires – que ocupou o posto de ministro do Exército durante o governo Sarney  – chamou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso  de “fugitivo”, palavra que ele usa para se referir a todos os que saíram do Brasil durante o regime militar.   
                                          As palavras do general são um documento porque retratam o que um militar de alta patente tem a dizer sobre um período conturbado da história recente do Brasil.
                                                Trechos da entrevista, gravada a propósito dos 25 anos do fim do regime militar:
                                                O senhor foi chefe do temido DOI-CODI do I Exército durante dois anos e dez meses. O senhor sabia da existência de tortura a presos políticos ? 
                                                Leônidas Pires: “Nunca houve tortura a preso político na minha área. Desafio alguém que tenha sido torturado durante este período ( N: o general chefiou o DOI-CODI durante o período em que foi chefe do Estado Maior do I Exército,  entre março de 1974 e janeiro de 1977).  Está feito o desafio! A história de tortura…Você vai me perguntar se existiu. Costumo dizer: a miserável condição humana leva a isso.  Mas, com medo da falada tortura, eles eram grandes delatores. Grande delatores. Um do Comitê Central ( do PC do B) delatou toda a turma para o meu esquema de segurança no Rio de Janeiro”. 
                                                           O que o senhor diz é uma acusação grave:  pagou a um integrante do comitê central do Partido Comunista para delatar seus companheiros. Quem pagou ? O senhor ?   
                                                      “Não: a organização. Nunca me contactei pessoalmente com nenhum subversivo. Não era minha missão. Minha missão era dirigir o órgão que faz isso”.  
                                                        De quem foi a ideia de pagar ?  
                                                         “A ideia foi minha! Fui adido militar na Colômbia (N: de julho de 1964 a novembro de 1966). Aprendi que,lá, eles compravam todos os subversivos com dinheiro. Quando propus ao DOI-CODI me disseram: “Não, mas general….”.  Mas ele foi preso e mostrou o dia em que haveria a reunião em São Paulo numa casa na Lapa. Deu o dia e a hora, por 150 mil, entregues à filha dele,em Porto Alegre”.   (O general não cita o nome do dirigente, mas  o livro “Combate nas Trevas”, lançado ainda nos anos oitenta pelo historiador e ex-militante comunista Jacob Gorender, registra que a colaboração de um integrante do PC do B  com o Exército “deu à reunião um final de catástrofe”).  
                                                                      Houve outros casos em que o DOI-CODI pagou a prisioneiros em troca de informação ?  
                                                                     “Estou falando de um DOI-CODI, o meu, no Rio de Janeiro: de 1974 a 1977” 
                                                            O único caso foi este ? 
                                                            “No meu, sim…” 
                                                             O senhor faz uma acusação que é de extrema gravidade. Um integrante do Comitê Central do Partido Comunista do Brasil teria recebido dinheiro para dar informações ao Exército… 
                                                             “Deu, por 150 mil ( N: a moeda, na época, era o cruzeiro).  Mandei entregar!  Quando digo “eu”, a gente fala funcionalmente. Como disse: nunca falei com um subversivo”. 
                                                               O dinheiro que foi entregue a este integrante do Comitê Central do Partido Comunista em troca de informações, segundo o senhor diz, saía como do I Exército ?  Existia uma “caixinha” ? 
                                                          “Que caixinha nada! Um serviço de informações tem verba oficial para cumprir a missão”.
                                                             Mas as informações que ele passou, segundo o senhor diz, em troca de dinheiro, resultaram em mortes….
                                                               “Resultaram. Claro. Resultaram. Porque ninguém se entregou quando chegamos lá. Nós, não.O caso foi entregue a São Paulo. Temos áreas delimitadas de operação.  São Paulo chegou lá e deu ordem de prisão. Foram recebidos a bala. E quem começa a guerra não pode lamentar a morte. É duro de ouvir? É duro de ouvir ? Quem começa a guerra não pode lamentar a morte. Nós não começamos guerra nenhuma. A bomba no Aeroporto dos Guararapes foi o primeiro sangue que correu no Brasil. Confirmou-se que a bomba foi feita pelo pessoal da AP ( N: uma bomba explodiu no saguão do Aeroporto dos Guararapes, no Recife, no dia 25 de julho de 1966. Um almirante e um jornalista morreram na hora. O atentado foi cometido por dois militantes da AP, a Ação Popular).  Guerra é guerra. Guerra não tem nada de bonito – só a vitória. E nós tivemos. A vitória foi nossa. Porque esta país caiu na democracia que nós queríamos”. 
                                                               Que orientação o senhor dava aos seus comandados no I Exército ?
                                                                   “Eu disse assim:  “A missão que estamos fazendo é para exercer com nobreza. Nós estamos aqui para defender os interesses do Brasil! Não estamos aqui para defender os interesses de ninguém nem pessoalmente!. Segundo: não somos bandidos! Somos soldados de luta! Por isso, dou a seguinte  orientação a vocês: se vocês entrarem num aparelho lutando, alguém levantar o braço e vocês atirarem num homem de braços abertos, vocês vão se ver comigo!  Porque nós não somos bandidos! Mas, se você está na luta e achar que o indivíduo deve morrer, atire pra matar! ”.  Eu dava esta orientação como estou dando a você agora aqui. Depois, dava instruções de comportamento individual na hora da confrontação. Era uma maneira simples:  para ficar ao alcance do soldado, é que fiz esta imagem: “Não cometam arbitrariedade : na hora de dar chocolate, não se dá tiro. E, na hora de dar tiro, não se dá chocolate!”.     
                                                                  Alguns dos seus comandados atirou para matar ?  
                                                                 “Tenho absoluta certeza de que, na luta, muitos morreram e muitos mataram. Mas na atitude de soldado! Porque o soldado é o cidadão de uniforme para o exercício cívico da violência. É no mundo inteiro, historicamente. Quer guardar a frase ?  Se você vai me perguntar se soldado mata, vou ter de achar graça…”. 
                                                                   O senhor chegou a chefiar o DOI-CODI no Rio durante o regime militar e foi o primeiro ministro do Exército depois da redemocratização. O senhor admite que a tortura é uma mancha na história recente das Forças Armadas no Brasil ?   
                                                                        “Eu acho que ela, lamentavelmente, ocorreu. Mas, para ser uma mancha, ela foi muito aumentada por nossos antagonistas para justificar algumas coisas que eles fizeram e achavam que tinham o direito de fazer. Hoje, todo mundo diz que foi torturado para receber a bolsa ditadura.  Não tem cabimento. Já gastamos dois bilhões e oitocentos milhões nisso. É essa a resposta que você quer ?”.  
                                                                          O senhor já chamou a cassação de mandatos e a suspensão de direitos políticos de medidas “altamente civilizadas”. Baseado em quê o senhor chama de civilizadas medidas que são obviamente uma violência política ?
                                                                “Porque elas são históricas. Cassação é a denominação nossa para o ostracismo na Grécia e do banimento em Roma. São civilizadas porque têm dois mil anos de atuação. Nós ainda fizemos de uma maneira mais doce do que faziam os romanos e os gregos, porque não afastamos as pessoas do lugar onde moravam. E eles afastavam”.
                                                         Mas os exilados foram obrigados a sair do Brasil… 
                                                          “Não se esqueça do seguinte: não tivemos exilados no Brasil.Tivemos fugitivos. Pode ser dura a minha palavra, mas não acho que tivemos exilados no Brasil. Não houve um decreto de exilar ninguém. Depois, os que fizeram algumas coisas e quiseram ir embora, nós os consideramos banidos. Quiseram ir embora para aqui, para lá, para acolá. Pegaram um avião e saíram por aí”. 
                                                             O senhor chama de “fugitivos” os exilados, alguns célebres, como Miguel Arraes, Leonel Brizola e Luís Carlos Prestes. Não é uma injustiça ?
                                                          “Não, não acho que seja injustiça. Porque a palavra exilado também não serve para eles. Exilado é alguém que recebe um documento do governo exigindo que se afaste. Tal documento nunca houve. Como é que você quer tachá-los,então ?  Dê uma sugestão! A minha sugestão é : fugitivos…”  
                                                              Historicamente são exilados….
                                                              “Que negócio é esse de historicamente ?”
                                                               O senhor também chamou o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso de fugitivo, entre outros exilados…
                                                               “Só ele não! Todos eles, inclusive ele! Todo mundo que foi embora sem ser expulso do Brasil considero fugitivo. Sem exceção. Fugitivos! O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso e todos os outros são, para mim, fugitivos. Porque se eles tinham uma ideia – e esta ideia era confrontada  e fizeram alguma coisa que merecesse –  deveriam  enfrentar a justiça, porque seriam respeitados”
                                                               O governador Miguel Arraes, por exemplo, foi deposto, foi confinado na ilha de Fernando de Noronha e seguiu para o exílio… 
                                                               “Sim,mas foi embora porque quis !  Poderia ter voltado a Pernambuco e ter ficado em casa”. 
                                                              Deposto ? 
                                                             “Mas qual é o problema ?” 
                                                               Todo ! 
                                                                “Não é todo não! Que ele enfrentasse,como deposto, legalmente, as coisas. Faria o proselitismo – e não sairia correndo para o mundo. Assim aconteceu com os outros: saíram todos correndo. Ninguém quis ficar aqui. Alguns foram se preparar militarmente para fazer a confrontação. Onde ? Em Cuba, na Albânia, na Rússia..Quanto ao caso específico que você cita, o de Miguel Arraes: ele não foi fazer isso. Ele se deu muito bem fazendo seus negócios. É um homem de sucesso de negócios. Não acho. Você insiste nisso! Esquece que,para ser exilado, precisa ter um documento que provoque o exílio”.
                                                                 Mas,na prática, não havia condições para o exercício da política naquela época…
                                                                 “Fique,então, aguardando no país. Não precisa ir embora. Por que fugiu do Brasil? Com medo de outras sanções ?” 
                                                                    O senhor considera que o ex-governador era um fugitivo ou um perseguido pelo regime militar ? 
                                                                     “Primeiro, ele merecia as punições que recebeu, pelas atitudes que tomou….
                                                                   Não num regime democrático… 
                                                                     “…Mas a gente também se antecipa aos que querem fazer algo. O que é que ele queria fazer do Brasil ? Nós temos um grande orgulho de nosso faro! Depois, olhe o que aconteceu na Rússia, em todos os países de origem comunista, aquela mortandade. Vocês nos acusam, os da esquerda”…
                                                                    Não sou representante da esquerda… 
                                                                     “Você tem um laivozinho, tem um laivozinho…Vocês esquecem quantos milhões matou Stalin, quantos milhões matou o Khmer Vermelho, quantos mil matou Fidel Castro nessa ilha: dezessete mil. Outra coisa : exilado geralmente é o homem que sofre restrições. Os homens que foram para o Chile: eu bem que queria tirar o curso que eles tiraram lá. O senhor Fernando Henrique era professor universitário, coma vida muito bem organizada. Vivia sem nenhuma restrição financeira, só para dar um exemplo. Exilado é uma coisa. Quem vai voluntariamente – e gosto de chamar de fugitivo – é outra. Não faça confusão. A sua convicção sobre exilado precisa acabar!”  
                                                                           Mas não é convicção minha. É um fato histórico! 
                                                                             “Não é fato histórico não senhor! Fato histórico se houvesse uma lei fazendo o exílio. O fato histórico foi forçado pela mídia batendo no mesmo tambor: bam-bam-bam-bam-bam-bam….”
                                                                          Se não eram exilados, por que é que o governo militar promulgou uma Lei da Anistia permitindo que eles voltasssem ? Se não existiam exilados, para   que uma Lei da Anistia ?
                                                                        “Acontece o seguinte: eles estavam assustados. Nós dissemos para eles: podem vir, não há perigo nenhum. Mais do que fugitivos, eram assustados. Sempre pergunto: alguma coisa tinham feito para ir embora!”.

No comments: