Monday, March 28, 2011

Rio: valorização de imóveis de até 380% nos últimos 5 anos

30/03/2011

Cidade

Preços nas Alturas

Sofia Cerqueira 
Com uma valorização de até 380% nos últimos cinco anos, os imóveis das áreas nobres do Rio já se equiparam aos de Nova York, Paris e Tóquio. E não há nenhum sinal de que ficarão mais baratos nos próximos anos
José Roberto Couto/Ag. Tyba
Vista da orla de Ipanema e Copacabana: um dos lugares mais cobiçados do mundo
Depois de uma temporada de cinco anos nos Estados Unidos, a gerente de marketing Mônica Duarte, de 42 anos, voltou à cidade decidida a realizar o sonho da casa própria. Ela, o marido (funcionário de uma multinacional do petróleo) e a filha de 2 anos desembarcaram em fevereiro do ano passado. Com os móveis guardados em um depósito, a família mudou-se temporariamente para a residência da mãe de Mônica e iniciou a busca pelo tão desejado lar. A ideia era comprar um dois-quartos com infraestrutura de lazer na Zona Sul, na faixa dos 500 000 reais. A cada semana, a cada novo caderno de classificados vasculhado, os preços disparavam. Em pelo menos uma negociação, a cifra engordou 100 000 reais entre o primeiro contato e a segunda conversa. Após visitar mais de oitenta endereços, Mônica refez os planos, ampliando sua área de procura. Em março, ela finalmente arrematou um apartamento de 130 metros quadrados, com piscina e playground, pela quantia inicialmente prevista. Só que, neste caso, na Tijuca. “Retornei no pior momento. Cansei de ver lugares horríveis, caindo aos pedaços, por valores absurdos”, diz. De fato, seria mais barato ter voltado antes. De 2006 para cá, houve uma transformação brutal no segmento imobiliário. Segundo dados das entidades que acompanham o setor, a cotação média dos imóveis no Rio subiu 145% nesse período. Em alguns casos, porém, o crescimento foi ainda mais espantoso. Há cinco anos, apartamentos de quatro dormitórios em Ipanema eram avaliados em 735 000 reais. Hoje, as mesmas unidades, ou construções com características idênticas, chegam a custar 3,5 milhões de reais — um aumento de 380%! 

Por todo o país, uma conjunção de fatores impulsiona o aquecimento nesse mercado. A estabilidade da moeda, seguida da melhora na renda da população, tem levado milhões de brasileiros a acalentar o projeto de abandonar o aluguel. Ao mesmo tempo, os prazos de financiamento tornaram-se mais elásticos e os juros passaram a ser mais camaradas. Com isso, as vendas explodiram, o que levou a uma valorização súbita das propriedades nas principais capitais. Em 2010, os imóveis brasileiros registraram a terceira maior alta do planeta, atrás apenas dos de Hong Kong e Singapura. Envolvido por um cenário já efervescente, o Rio transformou-se numa espécie de versão anabolizada do que acontece no restante do Brasil. Além das condições macroeconômicas favoráveis, a cidade vive um momento de otimismo, com perspectivas muito interessantes para os próximos anos. A escolha para ser sede da Olimpíada é parte desse fenômeno, assim como a atração de diversas empresas ligadas à exploração do pré-sal. Recentemente, uma companhia de petróleo reservou catorze unidades de um lançamento no Leblon para abrigar seus executivos. Detalhe: o prédio nem sequer existe e o terreno, arrematado por 32 milhões de reais, era ocupado até sábado (19) por uma churrascaria. “Não há nada parecido com esse frenesi nos outros estados”, diz Luiz Paulo Pompeia, diretor da Empresa Brasileira de Estudos do Patrimônio (Embraesp).
Fernando Lemos
Mônica Duarte: o sonho de morar na Zona Sul trocado por uma residência na Tijuca
A pergunta que cariocas, brasileiros e até estrangeiros fazem é se tal frenesi não passaria de uma bolha. Nas últimas duas semanas, VEJA RIO ouviu sobre essa questão trinta especialistas, entre executivos de construtoras e incorporadoras, consultores e analistas independentes. O objetivo era entender o que tem feito os preços subir tanto e os riscos dessa situação. Pois todos foram unânimes em afirmar que a alta não é motivada por fatores artificiais e deve prosseguir pelo menos até o meio da década. O que está acontecendo por aqui não guarda nenhuma semelhança com o que ocorreu em 2008 nos Estados Unidos, derrubando não apenas o mercado como também bancos e bolsas internacionais. No Rio, cerca de 90% das compras são realizadas pelas pessoas que vão efetivamente morar nos imóveis. Portanto, não se trata — ainda — de um movimento especulativo provocado por investidores. Existe, no entanto, outro dado interessante surgido da enquete: o ritmo de majoração deve desacelerar e mesmo cessar em alguns bairros nobres. Principalmente em enclaves como Leblon, Ipanema, Lagoa e Gávea, onde se verificaram as maiores valorizações. Nesses lugares, as cifras não vão cair de repente, mas dificilmente crescerão nas mesmas proporções. “Pequenas acomodações vão ocorrer, com estabilização em algumas vizinhanças, mas a tendência é que o aumento continue em espaços que estavam defasados”, acredita Rogério Chor, diretor executivo da construtora CHL/PDG e presidente da Associação de Dirigentes de Empresas do Mercado Imobiliário (Ademi).
Em certa medida, trata-se de uma recuperação. Os negócios na área estiveram estagnados por quase três décadas. Nos anos 80 e 90, a cidade entrou em uma espiral descendente, devido a diversas razões. Ao lado do êxodo maciço de grandes empresas, sobretudo para São Paulo, assistiu-se passivamente à decadência de bairros tradicionais, como a Tijuca, sitiados por favelas. A desvalorização ainda assolou São Conrado e regiões de Botafogo, Copacabana e Ipanema, também vizinhos de morros ocupados irregularmente e transformados em redutos de bandidos e traficantes de drogas. O panorama vem mudando radicalmente com as reformas de infraestrutura, urgentes para uma cidade que deseja sediar grandes eventos esportivos, e com a instalação das Unidades de Polícia Pacificadora, as UPPs, iniciativa bem-sucedida de combate ao crime. Entre fevereiro de 2010 e fevereiro deste ano, o preço dos imóveis de três quartos na Tijuca, uma das localidades onde o programa foi implantado, subiu 64%. O mesmo foi observado em ruas e avenidas vizinhas ao Morro Dona Marta, ao Cantagalo e ao Pavão-Pavãozinho, em Ipanema. “Em mais de trinta anos não se via um movimento tão forte”, afirma Paulo Levy, economista do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e professor da PUC-Rio.
Fernando Lemos
Marcel Cunha: comprar e reformar apartamentos velhos virou negócio
Como é praxe nas economias de mercado, o setor é regido por um mecanismo clássico: a lei da oferta e da procura. E o fato é que há muita gente procurando, especialmente na orla formada pelas avenidas Vieira Souto, em Ipanema, e Delfim Moreira, no Leblon. Os valores ali sempre foram altos, altíssimos. Hoje, contudo, o metro quadrado de um apartamento de cobertura de frente para o mar sai em média por 30 000 reais, o que é compatível com o metro quadrado de propriedades no Upper Manhattan, área nobre de Nova York, e superior ao de residências no 8º Arrondissement de Paris (veja o quadro abaixo). É nesse pequeno território do Rio que ficam os imóveis mais caros à venda, como uma cobertura de 1 600 metros quadrados, localizada na Avenida Vieira Souto, avaliada em inacreditáveis 36 milhões de reais. Depois dela, outras cinco unidades ultrapassam a casa dos 30 milhões, todas nesse enclave dourado de pouco mais de 4 quilômetros de extensão. Quem comprou por ali não tem do que reclamar. Há três anos, o jogador Ronaldo Fenômeno adquiriu uma cobertura dúplex de 1 000 metros quadrados na Delfim Moreira que pertencia a John Casablancas, fundador da agência de modelos Elite. Preço: 15 milhões de reais. Agora, custa o dobro. No caso de unidades mais novas, a disparada foi ainda maior. Em 2008, a construtora Mozak Engenharia negociou uma cobertura tríplex de 769 metros quadrados, na mesma avenida, por cerca de 11 milhões de reais. Hoje, ela está anunciada por 27 milhões de reais. “Apesar de tudo, a venda é rápida. Há uma década se levava um ano para fechar um negócio desses. Atualmente são necessários três meses”, compara Paulo César Ximenes, dono de uma corretora especializada em luxo.
Fernando Lemos
Luzia Caliman: ela pede 600 000 reais por seu quarto e sala em Ipanema
Embora não seja de natureza especulativa, pelo menos até aqui, a explosão imobiliária tem servido para a realização de alguns bons negócios. E a repentina valorização não beneficia apenas a turma do dinheiro graúdo, que costuma efetuar seus cálculos com algarismos a partir dos sete dígitos. Uma nova categoria de investidores de ocasião começa a tirar proveito da alta dos preços. O empresário Marcel Cunha, dono de uma rede de lavanderias, resolveu recentemente investir em imóveis. Nos últimos dezoito meses, ele adquiriu vinte apartamentos obsoletos ou em mau estado de conservação em bairros como Copacabana e Ipanema. Em média, gastou três meses reformando cada um deles. Trocou piso, tubulações, louças de banheiro, cozinha e refez toda a parte elétrica, deixando-os com o aspecto renovado. Já vendeu catorze. “Depois do banho de loja, consegui vendê-los por um valor 40% mais alto do que aquele que paguei”, revela. Seu mais recente negócio foi um dois-quartos em situação crítica na Avenida Nossa Senhora de Copacabana. Desembolsou 300 000 reais na operação e agora o está revendendo por meio milhão. Até quem nunca pensou em se mudar quer aproveitar a boa maré. É o caso da aposentada Luzia Caliman, que pôs à venda um quarto e sala de 53 metros quadrados na elegante Rua Garcia d’Ávila, em Ipanema, por 600 000 reais. Com o dinheiro ela pretende voltar para Vitória, sua cidade natal, e arrematar uma casa maior, por um terço do valor, depositando o restante em aplicações financeiras. “É uma oportunidade de ouro, que não posso deixar passar”, explica. Alguém aí quer comprar?
“Daqui ninguém me tira”
Um grupo de obstinados proprietários de endereços cobiçadíssimos se recusa a ceder à pressão e aos milhões de reais acenados pelas incorporadoras
O Rio está bem longe de ser uma aldeia, mas há pontos da cidade que guardam notável semelhança com o vilarejo criado pelos cartunistas franceses René Goscinny e Albert Uderzo na série de quadrinhos Asterix. Da mesma forma que os “irredutíveis gauleses” desafiavam o poderoso Império Romano e se recusavam a abandonar seu pedaço de chão localizado no noroeste de França, um grupo de cariocas que vivem em bairros nobres simplesmente se recusa a ceder à pressão das incorporadoras imobiliárias e vender suas propriedades, mesmo por ofertas milionárias. Para as construtoras, desesperadas em busca de espaço em regiões praticamente esgotadas para lançamentos, eles representam um obstáculo e uma dor de cabeça monumental. Estima-se que existam hoje em bairros como Ipanema, Leblon, Lagoa, Botafogo, Jardim Botânico, Copacabana e Leme cerca de 130 casas e prédios antigos em condições de incorporação e cujos donos recusam qualquer tipo de negociação. “Em geral, os moradores não abrem mão porque os imóveis carregam a história da família ou, caso decidam vender, dificilmente encontram algo parecido”, explica Isaac Elehep, diretor da Mozak Engenharia, especializada em empreendimentos de luxo na Zona Sul.
Selmy Yassuda
João Carlos Aleixo, do Pomodorino: assédio constante para vender o restaurante
Um simples passeio permite identificar de imediato onde vivem esses irredutíveis cidadãos, alguns deles tão incomodados com o assédio que já deixam explícita sua recusa logo na fachada. É o caso de uma bem cuidada casa de cerca baixa na Rua Prudente de Moraes, uma das mais nobres de Ipanema. Logo no portão, uma placa anuncia: “Este imóvel não está à venda. Pede-se não insistir”. Nas margens da Lagoa Rodrigo de Freitas, existem cerca de vinte residências como essa, resistindo bravamente em meio a arranha-céus suntuosos. Uma delas, um simpático sobrado amarelo de janelas brancas, na esquina da Avenida Epitácio Pessoa com a Rua Conselheiro Macedo Soares, pertence ao advogado João Nicolau Mader Gonçalves, de 96 anos. Viúvo e morador do lugar há 55 anos, ele não quer nem ouvir falar no assunto. Procurado por VEJA RIO, foi ríspido: “Não tenho de dar satisfação sobre as minhas razões”. Em meio a tamanho assédio, obviamente, não existe distinção entre propriedades residenciais e comerciais. O restaurante Pomodorino, instalado em uma charmosa construção de dois andares na Avenida Epitácio Pessoa, com vista para o Cristo Redentor, é assiduamente visitado por representantes de construtoras. Seu dono, João Carlos Aleixo, já perdeu a conta das propostas que recusou. “Custei muito a achar este ponto. Não tenho motivo para vendê-lo. Sempre sonhei em ter um negócio aqui”, afirma ele, que mora em uma casa na mesma avenida, na esquina com a Rua Maria Quitéria. “Também tentaram comprá-la várias vezes”, diz. “Mas sempre recusei.”
Se existe um comportamento-padrão entre essa turma é o afeto por suas propriedades. Para eles, viver no lugar com que sempre sonharam está acima de qualquer cifra. Quase todos moram ali há muitos anos e não se veem em outras regiões da cidade. A estilista Lenny Niemeyer é um exemplo célebre de alguém que se recusa a trocar seu lar por uma bolada de dinheiro. Desde 1979, ela reside em um prédio de três andares na Avenida Epitácio Pessoa, fruto de seu casamento com o neurologista Paulo Niemeyer. A princípio, o casal comprou dois dos doze apartamentos. Depois da separação, ela não só ficou como arrematou as outras unidades do edifício, transformando-o naquilo que nos Estados Unidos se chama de townhouse. Reformado, o imóvel de setenta anos ganhou nova configuração e passou a ter sete apartamentos. Um deles é ocupado por ela. Em outro, vivem seus filhos. Os cinco restantes são alugados a amigos íntimos. “Eu nunca quis saber os valores oferecidos. Amo morar neste prédio. Ele faz parte da minha história”, diz.
Tomás Rangel
Lenny Niemeyer, que nem quer ouvir propostas pelo prédio na Lagoa: “Faz parte da minha história”
Atuar no setor de construção civil em uma área com pouca oferta de terrenos exige persistência e muita paciência das incorporadoras. Nas previsões mais otimistas, uma operação de compra pode levar até três anos para ser concluída. Se a propriedade estiver em inventário, a negociação poderá se arrastar por mais de uma década. Uma estratégia comum é oferecer, além do dinheiro, outra residência de características semelhantes nas proximidades. Mas, em um mercado aquecido como o carioca, a busca por esse segundo imóvel pode se revelar uma tarefa extremamente complexa e demorada. O médico Ricardo Sertã nunca fechou as portas a negociações para a venda da casa onde mantém sua clínica, no bairro da Lagoa. Ampla, a edificação dos anos 40 foi inteiramente adaptada para abrigar equipamentos, centro cirúrgico e laboratórios a ponto de, da planta original, ter restado apenas a fachada. Desde que se instalou no local, há dez anos, ele recebe em média uma oferta de compra por semana (repetindo: uma oferta de compra por semana). Até agora, nenhuma proposta compensou a troca. “Eu só saio daqui para outro lugar com a mesma estrutura, o que acho praticamente impossível”, avisa.
Fernando Lemos
Ricardo Sertã: uma oferta por semana pela casa na lagoa
No caso de um proprietário recalcitrante, o desfecho da negociação torna-se absolutamente imponderável, o que pode ser um desastre caso envolva a compra de imóveis adjacentes. A construtora Santa Isabel levou nada menos que 27 anos para conseguir comprar o apartamento pertencente a Lúcia Fraccaroli e a sua filha Gabriela, localizado no Leblon. A empresa já havia adquirido todas as demais unidades e as de dois outros prédios vizinhos (hoje já demolidos). Apenas mãe e filha resistiram, sozinhas, no 1º andar. O motivo era simples: elas não aceitavam o preço oferecido, que consideravam incompatível com uma propriedade que tinha, entre outros atrativos, um charmoso jardim de inverno. “Isto aqui é como uma casa em pleno Leblon”, afirma Gabriela. Há três anos, com o edifício vazio e degradado, elas aceitaram partir para uma nova rodada de negociações e concordaram com uma permuta oferecida pela construtora. Depois de muito procurarem, encontraram um apartamento tinindo de novo, a poucas quadras de distância do antigo. Dentro de um mês, elas se mudam, e, finalmente, a empresa poderá erguer seu empreendimento de alto padrão na área, quase três décadas depois do planejado. Esses gauleses, hein? São (quase) irredutíveis.
Fernando Lemos
Gabriela Fraccaroli, moradora do Leblon: contrato fechado depois de anos de disputa

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